A água doce é essencial à vida. Irriga os nossos campos, alimenta as nossas indústrias, enche os nossos copos e faz parte de todos os momentos da nossa vida quotidiana. No entanto, é cada vez mais cobiçada, distribuída de forma desigual e ameaçada pela poluição, pelas alterações climáticas e pelo consumo excessivo. Nas próximas décadas, pode muito bem tornar-se o recurso mais precioso da Terra. Já lhe chamam ouro azul. Porquê? Como é que podemos antecipar esta mudança de paradigma?
Um recurso vital sob pressão
Disponibilidade natural muito limitada
Em todos os continentes, a questão do acesso à água doce está a tornar-se crucial para a estabilidade das sociedades humanas. Os cursos de água são afectados pela poluição, pela sobre-exploração e pelo envelhecimento das infra-estruturas. O planeta não está a produzir mais água doce, mas as necessidades estão a aumentar com o crescimento da população e da produção agrícola. Em muitos países, a disponibilidade de água tornou-se uma questão de segurança pública e de planeamento estratégico. Menos de 3% da água do mundo é água doce. E apenas uma pequena fração está acessível para as nossas utilizações domésticas, agrícolas e industriais. No entanto, a procura está a aumentar constantemente: crescimento da população, urbanização, necessidades alimentares, etc.
Esta situação é tanto mais preocupante quanto os recursos hídricos renováveis per capita estão a diminuir rapidamente em muitos países. Em França, a pressão sobre as águas subterrâneas aumenta de ano para ano. Alguns departamentos do sul do país enfrentam já uma escassez parcial de água doce durante os meses de verão. O século XXI poderá assistir ao aparecimento de um novo tipo de crise ligada à gestão da água.
Pressão crescente da utilização humana
À medida que os recursos se tornam cada vez mais escassos, a gestão racional da água está a tornar-se uma questão fundamental. A sensibilização está a aumentar em vários países, que estão a introduzir políticas nacionais para melhorar a distribuição, reduzir as perdas e investir em infra-estruturas. A produção de água potável, bem como a ligada às necessidades industriais, exerce uma forte pressão sobre as reservas. A qualidade da água está também ameaçada, com consequências diretas para a saúde pública e o ambiente. O desafio é agora global. O abastecimento, por outro lado, está a estagnar ou a diminuir, afetado pela escassez, pela seca e pelo aumento da evaporação devido ao aumento das temperaturas. O resultado é uma pressão crescente sobre os recursos hídricos, em França e noutros países. A utilização da água está a intensificar-se, sendo a agricultura ainda responsável por quase 70% do consumo global.
Neste contexto, surgem conflitos de utilização entre sectores: agroalimentar, industrial, autarquias locais, particulares, etc. A situação torna-se ainda mais crítica nas cidades densamente povoadas, onde os meios técnicos de preservação da água são ainda insuficientes. A transição para uma melhor gestão dos recursos torna-se assim um desafio político importante.
As alterações climáticas como fator agravante
Ciclos cada vez mais imprevisíveis
Os especialistas em ciências climáticas alertam para um aumento da frequência de fenómenos extremos. As alterações climáticas estão a causar grandes desequilíbrios nos ciclos naturais da água. Em alguns países, a água está a desaparecer de regiões inteiras, afectando profundamente as actividades humanas. A ligação entre as perturbações climáticas e os problemas de gestão dos recursos hídricos já não é discutível. Isto acentua o efeito do stress hídrico à escala global. As estações do ano estão a tornar-se menos previsíveis, a precipitação mais irregular e os rios mais intermitentes. O ciclo da água está dessincronizado. As alterações climáticas amplificam este efeito, alterando a distribuição sazonal da precipitação, aumentando a evaporação superficial e reduzindo as reservas disponíveis. Em França, como noutros países, os períodos de seca são cada vez mais longos, provocando tensões crescentes entre os utilizadores.
Aumento das restrições e dos conflitos de utilização
Os conflitos relacionados com a água estão a aumentar, mesmo em países historicamente estáveis. Em França, alguns municípios já estão a impor restrições de água durante vários meses. Em todo o mundo, as tensões estão a aumentar em torno das grandes infra-estruturas hídricas. O controlo dos recursos está a tornar-se uma questão estratégica para muitos governos. Este fenómeno intensifica-se à medida que o acesso à água se torna um fator-chave para a estabilidade económica e social dos países. No verão, as restrições de água estão a tornar-se comuns. Em algumas regiões, multiplicam-se os conflitos sobre a utilização da água, com agricultores, autarquias, particulares e indústria a disputarem o acesso ao recurso. Estas tensões são já visíveis em Espanha, na Califórnia e em Israel, um país pioneiro na dessalinização e na reutilização de águas residuais.
Como explica o geógrafo Frédéric Lasserre, especialista em conflitos relacionados com a água, estas tensões locais podem transformar-se em conflitos internacionais se a cooperação não for reforçada. Neste contexto, a água está a tornar-se uma questão geopolítica importante.
Desigualdade mundial no acesso à água
Acesso desigual a nível mundial
O fosso entre o Norte e o Sul em termos de acesso à água potável é gritante. Alguns países ricos beneficiam de serviços públicos de elevado desempenho, enquanto outros lutam para garantir um abastecimento mínimo. Esta desigualdade estrutural gera migrações, alimenta conflitos sociais e impede o desenvolvimento sustentável. A situação do acesso à água tornou-se um indicador do nível de desenvolvimento de um país e é atualmente uma questão central nas negociações internacionais sobre direitos fundamentais. De acordo com as Nações Unidas, cerca de 2 mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável. Em 2050, mais de metade da população mundial poderá estar a viver em zonas com stress hídrico. Esta desigualdade existe tanto entre países como no interior dos mesmos. As populações rurais são frequentemente as primeiras a ser afectadas.
O acesso à água é também uma questão de direitos. Em vários países, os cidadãos não dispõem de um serviço público que garanta uma distribuição equitativa da água. Em Paris e noutras grandes cidades europeias, foram criados modelos de gestão pública, baseados no princípio do acesso universal. Noutros locais, as multinacionais assumiram o controlo do recurso, com efeitos muito diferentes consoante o contexto.
A água como questão geopolítica
Os Estados começam a antecipar a futura escassez de água, reforçando o seu controlo sobre as fontes disponíveis. O Nilo, o Tigre, o Eufrates e o Jordão tornaram-se zonas de tensão onde as relações internacionais estão a tornar-se cada vez mais tensas. A diplomacia da água está em ascensão, combinando interesses estratégicos, económicos e humanitários. As instituições internacionais são cada vez mais chamadas a criar mecanismos de cooperação para evitar as guerras da água no século XXI. Se a água escasseia, torna-se dispendiosa, estratégica e mesmo fonte de tensão geopolítica. Vários países já adoptaram políticas de reserva de água, de compra de direitos de água ou mesmo de privatização. Em certas regiões de África, da Ásia e do Médio Oriente, já se assiste a tensões entre Estados pelo controlo dos grandes rios ou dos aquíferos transfronteiriços.
A gestão das águas transfronteiriças é um desafio para a cooperação internacional. Os tratados existem, mas a sua aplicação continua a ser frágil. No século XXI, a água pode ser o que o petróleo foi no século XX: um fator de influência, uma alavanca de poder, ou mesmo um motivo de guerra.
Um recurso que deve ser protegido, valorizado e partilhado
Soluções locais já em ação
Em muitas regiões, as experiências locais mostram que é possível tomar medidas eficazes para preservar a água. As colectividades locais, as associações e as empresas estão a desenvolver sistemas económicos, inovadores e reproduzíveis. A educação para a utilização correta da água está também a tornar-se uma alavanca poderosa. A abordagem territorial permite adaptar as soluções às realidades locais, associando simultaneamente os cidadãos à governação partilhada deste recurso vital para o planeta. Perante esta urgência, multiplicam-se as iniciativas locais: recolha de águas pluviais, redução das fugas, sensibilização para o consumo de água, agricultura menos ávida de água. Cidades como Paris e Montpellier investem na modernização das suas redes para limitar as perdas e garantir a qualidade da água que distribuem.
O papel dos reservatórios flexíveis na transição
Quer sejam utilizados em grande escala ou em projectos individuais, os autoclismos flexíveis contribuem para a gestão inteligente da água não potável. Permite satisfazer as necessidades domésticas sem aumentar a pressão sobre as redes públicas. Este sistema é particularmente importante nas zonas rurais e nas regiões sujeitas a um stress hídrico recorrente. A facilidade de instalação e a rentabilidade a longo prazo fazem com que se tornem cada vez mais parte integrante dos planos de transição ecológica. As cisternas flexíveis, por exemplo, podem ser utilizadas para armazenar água da chuva para uso doméstico ou coletivo. Em tempos de seca, oferecem uma alternativa fiável, económica e fácil de utilizar. Em França, cada vez mais famílias se equipam para garantir o seu abastecimento de água não potável, reduzindo assim a sua dependência dos serviços públicos.
Gestos acessíveis a todos
Mesmo a nível individual, todos podem desempenhar um papel na preservação da água. Equipar a tua casa com arejadores, monitorizar o teu consumo, evitar o desperdício e reutilizar a água cinzenta são acções simples a tomar. Estes esforços colectivos têm um efeito cumulativo real. Lembra-nos que a água, embora gratuita na sua forma natural, tem um custo de produção elevado e merece uma atenção constante no nosso estilo de vida. Os indivíduos também podem agir: tomando duches mais curtos, utilizando sistemas eco-responsáveis, escolhendo produtos que respeitem o recurso, ou simplesmente não desperdiçando água. A água não deve continuar a ser vista como um recurso inesgotável. É preciosa e frágil, e a sua preservação exige acções quotidianas.
Rumo a um plano de ação global
A água doce, há tanto tempo considerada um dado adquirido, está a tornar-se rapidamente uma questão global importante. Tal como o petróleo ontem, está agora a moldar as políticas, os territórios e os nossos estilos de vida. O ouro azul não é um mito: é já uma realidade para milhões de pessoas.
No centro do desenvolvimento humano, a água merece uma governação justa, sustentável e partilhada. A França e os outros países devem desempenhar plenamente o seu papel na cooperação internacional para garantir o direito à água para todos. A ciência, a política e os recursos técnicos existem: o que precisamos agora é de um plano de ação verdadeiramente global. Porque o futuro também se joga na torneira.